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By Ferramentas Blog

domingo, 16 de setembro de 2007

Drácula

5 de maio. Castelo — As névoas da manhã dissiparam-se e o sol já se acha bem alto. Não estou com sono e, como não vou ser chamado senão quando acordar, escreverei até vir o sono.
As minhas impressões da viagem, depois da partida de Bistritz foram bem estranhas e variadas. Quando cheguei junto à diligência, para torná-la, o cocheiro estava conversando com a dona do hotel, sem dúvida a meu respeito, pois me olharam de soslaio. Consegui ouvir, durante sua conversa, diversas palavras muitas vezes repetidas, palavras esquisitas, pois falavam várias línguas. Assim, tirei da valise meu dicionário poliglota, e olhei o significado dessas palavras. A constatação não foi muito alvissareira para mim, pois as palavras eram: “Ordog” — satanás; “pokol” — inferno; “stregoica” — feiticeiro e “vrolok” e “vlkoslak”, ambas com a mesma significaçâo, pois uma é eslovaca e outra sérvia: uma espécie de lobisomem ou vampiro. (Nota: indagar ao Conde a respeito dessas superstições.) Quando partimos, todas as pessoas que tinham se reunido em frente da estalagem, e que eram em número considerável, persignaram-se, e fizeram figa pra mim. Com alguma dificuldade, consegui que um companheiro de viagem me explicasse o quê eles queriam: a princípio, esse meu companheiro de viagem não quis explicar, mas, quando soube que eu era inglês, explicou-me que se tratava de uma simpatia contra o mau-olhado. Não era muito agradável para mim, partir assim para um lugar desconhecido, a fim de me encontrar com um homem desconhecido, mas todos pareciam tão bondosos e preocupados comigo, que não pude deixar de me sentir sensibilizado.
Em breve a beleza da paisagem me fez esquecer aqueles temores fantásticos, embora talvez não conseguisse me livrar deles tão facilmente, se soubesse a língua que falavam meus companheiros de viagem. Diante de nós estendiam-se encostas verdejantes, margeadas por florestas e bosques e, no alto das colinas, agitavam-se pomares ou casas residenciais de alguma fazenda. Apesar da estrada ser íngreme, a carruagem seguia com uma pressa que eu não podia compreender, mas era evidente que o cocheiro queria chegar o mais depressa possível a Borgo. Eu fora informado de que aquele caminho é excelente no verão, mas que ainda não fora reparado, depois dos danos sofridos durante o inverno. Sob esse aspecto, é diferente dos caminhos dos Cárpatos, em geral, pois é unia velha tradição que os mesmos sempre estejam em mau estado.
O caminho parecia infindável e o sol foi descendo, cada vez mais, pelo horizonte, e as sombras da noite começaram a aproximar-se. De vez em quando, passávamos por tchecos e eslovacos, com seus pitorescos trajes, mas notei que, infelizmente, o bócio era muito comum.
Algumas vezes, as ladeiras eram tão íngremes que, apesar da pressa do nosso cocheiro, os cavalos tinham de retardar o passo. Eu quis descer e acompanhar a carruagem a pé, como costumamos fazer em nossa terra, mas o cocheiro não permitiu.
— Não, não — disse ele. — Não deve andar a pé aqui. Os cães são muito bravos.
E acrescentou, visivelmente com intenção de fazer gracejo, pois olhou em torno para ver o sorriso aprovador dos outros:
— E o senhor ainda pode ter de se haver com muita coisa desse gênero, antes de se deitar.
A única parada que fez foi momentânea, Para acender os faróis. Quando escureceu de todo, a agitação entre os passageiros tornou-se grande. A carruagem avançava a grande velocidade, mas, ainda assim, os viajantes incitavam o cocheiro a avançar ainda mais depressa. Este, brandindo seu comprido chicote, açoitava os cavalos e os estimulava, aos gritos. As montanhas pareciam aproximar-se. A estrada tinha melhorado; estávamos entrando no Passo de Borgo. Um a um, vários dos passageiros ofereceram-me presentes, obrigando-me a aceitá-los, de modo tão afável que não admitia recusa; eram presentes esquisitos, não resta dúvida, mas todos oferecidos com boa vontade, com uma palavra de carinho, uma bênção e aquela mistura estranha de movimentos supersticiosos que eu vira diante do hotel de Bistritz.
Depois, enquanto o cocheiro se debruçava sobre os animais e os cavalos galopavam pela estrada, os passageiros procuravam olhar através das vidraças, sondando a escuridão. Era evidente que algo de muito excitante estava acontecendo, ou na iminência de acontecer, mas, embora eu tivesse perguntado a todos os passageiros, ninguém quis me dar uma explicação. Essa excitação se manteve durante algum tempo; e, afinal avistamos, diante a entrada do Passo do lado oriental. Nuvens escuras e pesadas cobriam o céu, ameaçando tempestade. Tinha-se a impressão de que a cadeia de montanhas separava duas atmosferas e que havíamos entrado, agora, na tempestuosa. Comecei a procurar a condução que deveria me levar para junto do Conde. Esperava, a qualquer momento, ver o clarão dos faróis, mas só via a escuridão. A única luz era dos faróis de nosso próprio carro. Os passageiros me olhavam com uma espécie de alegria que parecia zombar de meu próprio desapontamento. Eu estava pensando no que deveria fazer, quando vi o cocheiro consultar o relógio e dizer aos outros algo que mal pude ouvir, pois foi dito em voz muito baixa. Pareceu-me, contudo, que dissera:
— Uma hora de adiantamento.
Depois, ele se voltou para mim e disse-me, num alemão pior que o meu:
— Não há carruagem alguma aqui. O Herr não está sendo esperado. Deve ir conosco para Bucovina e voltar amanhã, ou depois. Depois de amanhã será melhor.
Enquanto falava, os cavalos começaram a relinchar e a corcovear, de maneira que o cocheiro precisou dominá-los. E então, entre gritos dos camponeses, todos se persignando, apareceu uma caleça de quatro cavalos diante de nós, que, vindo por trás da diligência, emparelhou-se com ela. À luz dos faróis, pude notar que os quatro cavalos eram todos pretos e tinham magnífica aparência. Eram dirigidos por um homem alto, de comprida barba castanha e grande chapéu preto, que parecia esconder seu rosto de nós. Apenas pude notar o brilho de seus olhos muito vivos.
— Está adiantado esta noite, meu amigo — disse ele ao cocheiro.
O homem gaguejou, em resposta:
— O Herr inglês estava com muita pressa.
Ao que o estranho retrucou:
— Talvez seja por isso que querias levá-lo para Bucovina. Não tentes iludir-me, meu amigo. Sei muita coisa e meus cavalos são velozes.
Enquanto falava, sorria e a luz dos faróis iluminou-lhe a boca, de contorno rude, com lábios muito vermelhos e dentes aguçados e brancos como marfim.
Um de meus companheiros de viagem murmurou para outro o verso de Lenore de Burger:
“Denn die Todten reiten schnell”
(“Pois a morte viaja depressa”)
O estranho sem dúvida ouviu aquelas palavras, pois olhou, sorrindo. O viajante virou o rosto, persignando-se.
— Dê-me a bagagem do Herr — ordenou o estranho.
E, rapidamente, minhas malas foram colocadas na caleça. Desci do lado da diligência ao longo do qual estava estacionada a caleça e o cocheiro desta ajudou-me a subir, pegando-me pelo braço, com um punho de aço; sua força devia ser prodigiosa. Sem uma palavra, ele sacudiu as rédeas, os cavalos viraram e mergulhamos na escuridão do Passo. Olhando para trás, vi a diligência partir a caminho de Bucovina. Vendo-a sumir nas trevas da noite, correu-me pelo corpo um estranho arrepio de frio e dominou-me a sensação de isolamento; mas senti um manto ser atirado sobre meus ombros, um xale sobre meus joelhos e o cocheiro me disse, em excelente alemão:
— A noite está fria, mein Herr, e meu senhor, o Conde, me incumbiu de tomar conta do senhor. Debaixo do assento há uma garrafa de slivotitz (aguardente de ameixa do país), se o senhor quiser.
Não bebi, mas já era um consolo saber que tinha a bebida ali à mão. Sentia-me confuso